Pe. Márcio Sampaio de Paula envia notícias de sua jornada missionária na África
O padre Márcio Sampaio de Paula, filho da
Arquidiocese de Mariana, natural de São Miguel do Anta, pertencente à
congregação dos Missionários de Nossa Senhora da África, envia notícias de sua
experiência neste continente da esperança, das dificuldades, alegrias e perspectivas de evangelização:
Caros Irmãos e Irmãs
em Cristo,
A paz e na alegria
estejam em vossos corações!
É com alegria que lhes escrevo para lhes transmitir
algumas notícias desde que cheguei aqui no continente africano. Primeiramente
gostaria de lhes assegurar que tudo vai bem e que a missão continua aqui. Estou
feliz, animado e disposto a não medir esforços para testemunhar com palavras e
ações a fé com que o Cristo me presenteou.
Quatro meses já se passaram desde que deixei o
Brasil. E quantas experiências, quantos encontros e reencontros, que
maravilhas, que bênção de Deus! Logo que cheguei a África, vindo de uma Semana
Santa no Vaticano, onde por várias vezes rezei aos pés do Beato João Paulo II,
este grande missionário, não só pelas viagens que efetuou, mas sobretudo pelo
seu espírito de abertura ao mundo, e às diferentes situações, pelo seu carisma
de contagiar as multidões por onde passava. Certamente, rezar aos seus pés foi
uma grande bênção e renovou meu ânimo para enfrentar os desafios da vida
missionária.
Foi com este espírito que aterrissei na África,
especialmente na Costa do Marfim, onde eu deveria fazer algumas provas para
reconhecer meu curso de teologia em uma universidade. Dois meses de preparação
e as provas foram feitas. Mais uma etapa realizada! Foi uma grande alegria
reencontrar os colegas de estudo e especialmente as pessoas da comunidade
cristã. Sobretudo, foi muito importante encontrar o país em paz, depois de
vários meses de guerra e destruição.
Terminei meus dois meses de provas e assim o tempo
para ir ao Congo chegou. Uma longa viagem pelo continente Africano. Passei pelo
Burkina Faso onde fiz escala depois atravessei o Níger, à Nigéria, o Chade até
chegar a Etiópia onde fiz escala. Depois, comecei a descer em direção ao sul,
passando por Uganda onde fiz escala, depois finalmente a Ruanda onde a viagem
de avião terminou.
Às duas horas da manhã eu chegava ao aeroporto sem
ninguém conhecer. Mas no exterior do aeroporto um taxista pronunciando meu nome
me pergunta se eu era mesmo o padre Márcio. E assim ele me conduziu pela cidade
de Kigali até a casa dos padres onde eu dormiria o resto da noite. No outro
dia, um pouco de repouso e de preparação para continuar a viagem ao Congo em um
minibus, mais uma vez a viagem continua até a fronteira, chegando lá um
seminarista do Congo me esperava para me ajudar a atravessar a fronteira com
minhas malas. Finalmente cheguei ao Congo: uma grande alegria em reencontrar os
padres e confrades conhecidos, em especial, o padre Placide, provincial que
esteve em minha ordenação.
A viagem ainda não terminou. Alguns dias na casa
provincial onde me preparei para ir até à Diocese de Kasongo onde se situa a
paróquia Santa Tereza onde eu trabalharia. Uma nova aventura, o avião que dia
partiria? No primeiro dia, o piloto passou mal antes de viajar e não pode
viajar. O segundo dia, tudo deu certo e pude partir. Os passageiros eram: o
piloto, o co-piloto, eu e um portador de bagagens. O restante era mercadoria. O
voo foi excelente. Chegamos a Kasongo, sede da Diocese. Lá meus confrades me
esperavam para que fôssemos de carro até uma de nossas paróquias.
Após o almoço pegamos a estrada que não era boa.
Imagine uma estrada de grota que fique dez anos sem passar a patrol – esta é a
situação da estrada.
Passamos com o carro dentro de um rio. E no fim da
tarde chegamos à paróquia São Clemente de Kipaka. Uma grande alegria dos
confrades e dos cristãos que me desejavam boas vindas. Ao chegar, uma noticia
terrível nos foi anunciada: o pároco da paróquia onde eu iria trabalhar acabara
de morrer de câncer – estava hospitalizado na Bélgica. Assim, no outro dia
cedo, eu e um padre pegamos uma moto e fomos até a paróquia de Santa Tereza
para rezar com os fiéis uma missa pelo padre que faleceu. Lá passamos dois dias
em oração. Pude já conhecer a paróquia onde trabalharia. Mas tinha que voltar à
outra paróquia onde eu deveria aperfeiçoar um pouco a língua swahili para bem
exercer o meu ministério.
Desta maneira comecei o curso de swahili.
Participando e ajudando nas celebrações, nas tardes eu aproveitava para
conversar com jovens e crianças, e, às vezes jogava futebol, vôlei e outros
esportes. A acolhida era sempre boa e queriam me ensinar e me ajudar a falar.
Na primeira semana eu comecei a celebrar a missa em swahili, claro para fazer a
pregação era difícil, às vezes era preciso escrever tudo antes para falar
corretamente e ser compreendido. Era uma grande alegria quando as pessoas
diziam: compreendemos o que você nos disse, vá em frente! Assim eu continuei
durante um mês.
Tive um pequeno incidente em um destes dias: uma
formiga me picou e o veneno me causou uma terrível alergia. Imaginem que alguns
minutos após o almoço o meu corpo começou a coçar dos pés à cabeça, encaroçou e
avermelhou. A cabeça inchou, olhos, orelhas, braços, mãos etc. Sem muito saber
o que seria eu fui ao médico. Ele me deu alguns remédios. Alguns minutos após
eu senti a cabeça rodar, os olhos escurecerem, me apoiei em uma moto, mas sem
força terminei no chão. Por trinta minutos, eu transpirei muito e após ingerir
um pouco de sal pude me levantar e ir para casa.Um pequeno susto somente,
talvez uma vacina contra algumas doenças. Tudo é graça, nada acontece por
acaso. No mais, não tenho outros problemas de saúde, o clima é bem favorável,
nem quente, nem frio, chove muito aqui.
O mês de julho terminou e assim eu deveria ir para
a paróquia, para continuar a estudar e aprofundar a língua. Iniciei a viagem de
moto, eu, minhas bagagens e minha viola pelas estradas e floresta a dentro. A
uns 6 km eu cai de moto e pela primeira vez, feri os joelhos, mas nada grave.
Com a ajuda de um Cirineu pude me levantar e continuar a viagem por mais 65 km
sem novos acidentes. Ao anoitecer cheguei finalmente à paróquia, e daqui que
lhes escrevo. Não se espante se a partir da floresta a internet existir, é uma
chance, uns exploradores de minério tem um sistema de internet e nos permitem
comunicar. Até quando eles ficarão aqui só Deus é quem sabe!
Esta é minha primeira semana aqui na paróquia,
tempo de adaptação e de iniciação pastoral. Na semana que vem já teremos muitas
atividades, batismo, crisma, casamento etc… Eu estarei sozinho devendo já
assegurar todos os sacramentos, pois o atual pároco vai a uma comunidade rural,
cerca de 40 km para lá também administrar por uma semana os sacramentos. Será
assim uma boa iniciação para mim.
Quanto ao povo, ainda estou conhecendo suas
realidades. É povo pobre e simples, que vive na floresta, vive da agricultura
rudimentar e necessária. Café, milho, amendoim, mandioca, arroz, banana etc.
Criação de cabrito, porco, pato e galinha! Os recursos são poucos e as coisas
industrializadas chegam aqui a um preço super elevado, pois tudo é transportado
pelos aviões. Um dos maiores desafios é a parte da saúde. Alguns postos de
saúde existem na região e mesmo aqui na paróquia, mas devido a falta de meios ,
muitos não podem frequentar estes postos. Muitas crianças morrem quase todos os
dias por anemia ou outras doenças. A alimentação costumeira é folha de mandioca
e angu de farinha de mandioca, ou seja, mandioca, a falta de variedade não
contribui para que todas as vitaminas e proteínas necessárias ao corpo sejam
ingeridas.
Por falta de incentivo o povo produz pouco, ou
somente o necessário para a sobrevivência, pois não tendo como vender seus
produtos se acomodam, e assim muitos passam fome, ou não tem meios de sobra
para quando precisam de dinheiro, para tratar a saúde das crianças e outros
gastos. Alguns aproveitam as riquezas minerais e conseguem encontrar ouro e ter
um pouco de dinheiro para o conforto: bicicleta ou moto. As casas são
construídas com tijolos de barros, e cobertas com sapé, muitas vezes quando a
chuva começa as casas não estão preparadas para acolher as águas, os mais ricos
possuem casas cobertas por telhas de zinco.
As escolas são de condições precárias e a falta de
luminosidade dificulta bastante. Não se tem água encanada nem eletricidade.
Alguns possuem cisternas, outros buscam água distante. A eletricidade existe
para aqueles que podem comprar painel solar e baterias. O contrário, é a
escuridão. Apesar de tudo isso as pessoas vivem, algumas são contentes e
alegres, outras sempre reclamam da situação difícil que atravessam. A nossa
presença é um grande conforto e segurança para este povo, nós somos a esperança
para eles. Muitos sofrimentos já se viram aqui: guerras sanguinárias, violação
de mulheres, roubos e tudo mais. Desde aqueles tempos os padres sempre foram
uma referência para este povo, pois aqui permaneceram durante a guerra, prova
de amor e de fé na transmissão da palavra de Deus!
A paróquia tem muitos cristãos e muitas comunidades
que são distantes e de difícil acesso, nem sempre é possível atender a todas.
Algumas passam mais de meses sem missa ou a presença de padres, sobretudo,
porque somos poucos, dois padres somente. Mas, graça a Deus, os catequistas e
coordenadores de comunidades tentam assegurar ao menos o serviço da palavra
Deus para estas pessoas abandonadas.
Aqui se percebe realmente o que significa ser um
apóstolo, deixar tudo e sair pelo mundo a serviço do Reino de Deus. Eu louvo a
Deus por me dar a força e inspiração para estar a serviço deste povo, de poder
ser esperança, onde, a esperança não existe mais.
Este é um pouco o panorama da situação desta
experiência que começa por aqui. Eu tenho feito um esforço imenso para me
tornar eficaz no trabalho para poder atender ao menos mensalmente a estas
comunidades distantes. Que Deus possa me dar saúde, sabedoria, paz, disponibilidade
para servir sem medida. Peço a todos vocês, meus irmãos e irmãs, que
multipliquem as orações para que Deus me fortifique e me capacite cada vez mais
para anunciar sua palavra no meio deste povo. Que Deus os abençoe!
Comentários
Postar um comentário