Vias missionárias em tempos de pandemia
“Dize uma palavra e meu servo ficará curado” (Lc 7,7)
Nos dias 27 e 28 de agosto de 2021, a Diocese de Governador Valadares promoveu a 1ª FORMISE on-line da Província Eclesiástica de Mariana. No primeiro dia, foram abordadas por Pe. Gustavo Moreira, padre da respectiva Diocese, as “Vias missionárias no contexto do novo normal”, tendo por fundamento o Documento de Aparecida, uma vez que a proposta era apresentar a dinâmica do “novo normal” a partir do respectivo Documento. A conferência foi iniciada enfatizando, de antemão, a figura de Santa Teresinha, que apesar de não ter saído da clausura tornou-se, para a Igreja, um modelo de missionária. Em outras palavras, esta grande santa nos ensina que é possível, em tempo de pandemia, viver a missão, partindo do testemunho e sobretudo do encantamento a Jesus Cristo.
O Documento de Aparecida no número 11 nos lembra que a Igreja da América Latina precisa repensar a forma de ser missionário na Igreja. Contudo, como podemos pensar em ser missionário na Igreja, em tempo de pandemia, com realidades tão plurais? Para responder essa perguntar, Pe. Gustavo realçou a importância e a necessidade de todos nós “vivermos a Igreja” como uma grande missão. Nas palavras dele “é necessário ser missionário, com o coração aberto, aonde quer que estejamos”. Em seguida, o padre refletiu sobre a natureza da missão de Cristo e os seus ensinamentos. Propondo perguntas, tais como: Jesus nos convida para que? Qual é a matéria? Quem são os destinatários dessa missão? Como começar essa missão?
Sem dúvida, o Papa Francisco
vem trazer luz à igreja missionária. Talvez o primeiro ponto que devemos
aprender para sermos missionários seja este: termos um coração desapegado.
Sabemos bem que o grande sofrimento dos nossos bispos e dos Conselhos Diocesanos
são as transferências de padres. Haja vista que às vezes com o coração muito apegado,
os padres se alicerçam num ponto e não abre assim novos horizontes para a vida
de missão. Do mesmo modo, faz-se necessário que na vida do seminarista, do
padre, daquele que se coloca como discípulo no caminho de Jesus, o desapegar-se
de si mesmo para viver a realidade que a Igreja convida, que é renovar,
revitalizar a novidade do Evangelho. Entretanto, isso será possível se tivermos
um coração profundamente apaixonado por Jesus Cristo, um coração que busque
viver um encontro pessoal com Ele a partir da escuta pessoal, da meditação da
Palavra e no encontro com Ele na Eucaristia, abrindo, dessa forma, ao mesmo
tempo, a conivência comunitária. Logo, devemos conhecer Jesus, assumir uma
postura de ressuscitados e sermos protagonistas de uma vida nova pela missão. Em síntese, é termos a alegria de comunicar às
outras pessoas Jesus Cristo: verdade, caminho e vida.
O mesmo caminho é este:
reconhecer que a Igreja precisa de nós, seguidores do Evangelho e da Palavra,
para revitalizar e renovar a novidade do Evangelho ao longo do tempo, vivida,
celebrada e meditada pela Eucaristia e pela arte, por exemplo. Nesse sentido, os
meios sociais nos ajudam muito a viver a experiência de chegar a mais pessoas,
levando-as ao encontro pessoal com Jesus. Todavia, precisa partir de nós o comprometimento
numa nova postura, tendo em vista as estruturas arcaicas que ainda insistem em
permanecer no meio de nós. Contudo, para além de estruturas, levar as pessoas à
essência: o próprio Deus.
Na sociedade na qual estamos
inseridos é muito fácil as pessoas exprimirem nas redes sociais seus sentimentos,
como angústias, alegrias, preocupações, anseios, aptidões para a vida política
ou por alguma ideologia. Paralelamente, estar nesse ambiente formativo das
mídias sociais também é um convite da Igreja a viver uma evangelização
missionária no “novo normal’ que, a conta-gotas, promova às pessoas
experiências com Jesus. Todavia, algo que não pode ser esquecido é que esse
comprometimento virtual deve levar ao comprometimento comunitário presencial
que vise sempre mais em introduzir a pessoa no mistério pascal de Cristo.
Ademais, há muitas pessoas que
sofrem e, por vezes, a dor e o sofrimento delas querem continuar no anonimato
porque tem medo de sua dor ser exposta à comunidade. No entanto, essas pessoas precisam
de apoio, compreensão, acolhida e ajuda material também. Este cenário pandêmico
nos faz pensar na coletividade missionária que seria fazer das nossas Igrejas
particulares, Igrejas de missão. Logo, a necessidade que devemos ter é de
missão e não ficarmos mesquinhos a projetos pessoais que às vezes conseguem
sobrepor ao desejo da Igreja. Contrariamente, tantas foram as vozes, na
pandemia, que levantaram contra a ação missionária da Igreja. Muitos diziam que
o Papa não sabia de nada, que era comunista. Reação paralela aconteceu também
com alguns bispos, sendo chamados de destruidores da fé em nome de uma moral e
de uma realidade desconhecida por nós e que não é de fato algo real, mas
imaginário.
Diante deste cenário, recai
sobre nós a responsabilidade no respeito e fidelidade à Palavra do Evangelho e
o compromisso na missionariedade da Igreja que não pode ser confundida com
nenhuma bandeira partidária, muito menos com alguma ação que esteja ligada a
algum tipo de ideologia. A experiência com Jesus nos faz agir cada vez mais
comprometidos com a vida, com cultura no meio social na qual estamos, fazendo
sempre a ligação com as dores humanas, promovendo sempre o anúncio evangélico e
nunca o anúncio pessoal.
No dia seguinte, dia 28 de
agosto, foi proposto pela professora de Teologia Virlene Mendes a reflexão
sobre “Maria e a experiência missionária”. A respectiva professora enfatizou
que a situação da pandemia aumentou e evidenciou o sofrimento, a solidão, a
pobreza e, sobretudo, as injustiças que nós já sabíamos que existiam em nosso
país. A pandemia desmascarou nossas falsas
seguranças, por isso que esta crise não é apenas sanitária, mas ética,
ecológica e social.
Neste sentido, o Papa Francisco
nos ensina a viver numa pedagogia a serviço da vida, baseada numa economia
integral que se inspire nos valores do Evangelho. Sem dúvida, a América Latina
é a região com maior número de desigualdade, onde vários modelos econômicos
foram experimentados e pouco contribuíram para o fruto das novas gerações. Por
isso, é urgente estudar novas propostas econômicas que tenham no centro delas a
pessoa e não o lucro, como é o capitalismo.
Para compreendermos a
missionariedade de Maria precisamos perceber o lugar que ela ocupa na história
da nossa fé. Maria estava a todo momento íntima de Deus, ouvindo sua Palavra.
Maria tem pressa de anunciar Jesus ao outro. É esta mulher que está atenta e
cuidadosa ao percebe a falta do vinho em Caná; é esta mulher que está de pé no
momento mais doloroso com a morte cruel de seu Filho. Assim sendo, se naquele
momento não podia fazer nada para evitar a morte, Maria se encontra ali para
dar amor, apoio, consolo, com o verdadeiro sentimento de mãe.
Maria pertence a plenitude dos
tempos, a encarnação não caiu na história de uma hora para a outra. A história
maturou-se para perceber o Filho de Deus como Deus encarnado. Maria pertence a
esse tempo; ela permite que o seu Filho se torne carne na história. Ela medita
a Palavra de Deus e a guarda em seu coração e vai maturando dia após dia. Neste
sentido, surge daí um ensinamento para nós: sem mística não há cristão que
resista, sem oração a alma adoece. Outro ponto importante da missionariedade de
Maria é seu silêncio que permite a escuta. Assim sendo, quem não se dispõe a
escutar nunca será um verdadeiro missionário da novidade cristã, mas falará de
si mesmo. Pode até pregar muito bem, mas não dará conta de falar da novidade do
espírito de missão, esta que impulsiona a pessoa numa mudança de vida.
Outra característica é a
discrição, Maria discretamente leva Jesus a Isabel quando a visita e com isso
vai cooperando para a nossa postura enquanto missionários deste mundo.
Entretanto, essa postura ainda é muito difícil numa sociedade tão barulhenta e
de tanta exibição. Entretanto, Jesus
Cristo vive verdadeiramente e, também a nós, nos quer vivos, fraternos e
capazes de acolher e partilhar esta esperança. No contexto atual, há urgente
necessidade de missionários de esperança que, ungidos pelo Senhor, sejam
capazes de lembrar profeticamente que ninguém se salva sozinho. Como cristãos,
não podemos reservar o Senhor para nós mesmos: a missão evangelizadora da
Igreja exprime a sua valência integral e pública na transformação do mundo e na
salvaguarda da criação.
Portanto, o Papa Francisco
aponta para a Igreja um estilo que é próprio de Maria e nos convida a assumir
esse mesmo estilo no cotidiano da nossa ação eclesial e social. Ele afirma que
“Há um estilo mariano na atividade evangelizadora da Igreja. Porque sempre que
olhamos para Maria, voltamos a acreditar na força revolucionária da ternura e
do afeto. N’Ela, vemos que a humildade e a ternura não são virtudes dos fracos,
mas dos fortes, que não precisam de maltratar os outros para se sentir
importantes. Fixando-A, descobrimos que aquela que louvava a Deus
porque “derrubou os poderosos de seus tronos” e “aos ricos despediu de
mãos vazias” (Lc 1, 52-53) é mesma que assegura o aconchego de um lar à
nossa busca de justiça. Que Maria, a primeira discípula missionária, faça crescer
em todos os batizados o desejo de ser sal e luz nas nossas terras.
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