A vida é missão
Nossa
missão de batizados é levar esperança quando encontramos, nos caminhos da vida,
tantos sofredores numa cultura de morte, na qual há tantas notícias de
violência e suicídio e tantas outras chagas que a humanidade já enfrentava e que
essa pandemia escancarou. Como ser sinal de Deus, revelar ao mundo que a vida
tem jeito e vale a pena? Como mostrar a alguém que a vida tem sentido e que Jesus
é a fonte de onde jorra abundantemente sentido e esperança? O caminho é amar sem
medo, na certeza de que amando estou evangelizando e vivendo o mandamento maior,
o amor. Como afirmara Santa Teresinha do menino Jesus: “Só o amor explica a
missão”; e nós podemos dizer ainda que o amor é missão! Amando Jesus no outro é
possível ser reflexo do amor de Deus tocando a carne sofredora dos irmãos,
descobrindo, como santa Terezinha, que nossa vocação é o amor e afirmando, como
São João Paulo II, que o “amor explicou tudo”.
Ser
missionário é deixar-se ser conduzido pelo Espírito Santo; Ele é o protagonista
de toda a missão eclesial, “Ele quem conduz a Igreja pelos caminhos da missão”,
como afirma o Catecismo da Igreja (n. 852). O Espírito sopra onde quer e como
quer e suscita dons e carismas; é Ele quem nutre e sustenta a fé dos discípulos
missionários de Jesus. Ele suscita diversas maneiras de cooperar na missão
evangelizadora da Igreja: pela entrega aos irmãos, pela doação de si, pela
partilha dos bens e dos dons, pela renúncia do supérfluo e da tentação de ser
senhor de si e pelo desejo de ser instrumento de Deus na vida dos irmãos. A
missão acontece quando vemos pessoas e grupos que se entregam nesse caminho e
se deixam consumir pela causa do evangelho. A missão é dinâmica e está na raiz
e identidade da Igreja, acontecendo ininterruptamente onde se testemunha o amor
divino por palavras e ações.
“A missão é
feita: com os pés dos que partem; com os joelhos dos que rezam e com as mãos
dos que ajudam”. Este pensamento de Leão XIII ajuda a compreender o horizonte
vasto e profundo da missão. Esta não pode ser reduzida a ir de porta em porta
ou a lugares distantes falar de Jesus, mas é algo encarnado na Igreja e parte
integrante do povo de Deus que não é possível arrancar de seu ser. O Papa
Francisco, na Gaudete Et Exultate (n.
27), afirma: “Não é que a vida tenha uma
missão, mas a vida é missão”. Somos convidados a integrar a missão na vida
internalizando tudo que nos acontece como oportunidade para santificação e
sinal do cuidado de Deus. O Evangelho de João
traz o relato da samaritana que, além de anunciar com as palavras, deixou para
trás a vida que levava, simbolizada no vaso que ficou para trás e seguiu a
Cristo, como único Senhor (cf. Jo 4, 28). A missão não pode perder de vista o
encontro com o mestre, porque Jesus é missão e n’Ele, com Ele e para Ele o
cristão escuta o chamado, responde o seu sim e anuncia, a partir do lugar
existencial em que se encontra.
Assim
como a samaritana, os apóstolos e os primeiros cristãos, todos nós somos
chamados a testemunhar para o mundo “o que vimos e ouvimos” (At 4,20). Ser
missionário é testemunhar! Não é possível esconder, silenciar e não testemunhar
o que Cristo faz em nós, porque tudo o que Cristo toca é transformado e
renovado, e uma vida renovada exala santidade, exala autenticidade, exala união
com o Divino, exala algo que o mundo não tem e não pode dar. O apóstolo Paulo
disse “ai de mim se eu não anunciar o evangelho” (1Cor 9,16), porque depois do
encontro não dá mais para fugir, não dá para se enganar ou fingir que não ouviu
o chamado, não dá para viver distante do Amado como se ele não existisse e não
esperasse uma resposta. Pobre e infeliz aquele que não compreendeu que mais do
que fazer isso ou aquilo na Igreja o Senhor nos chama a todos a estar com Ele,
a sermos todos Dele.
Ser
missionário é ter compaixão. Não é possível desvencilhar a missão da vida,
porque a vida é missão e é no dia-a-dia da nossa existência que somos chamados
a sentir com os irmãos, estar junto, sobretudo, dos pobres e marginalizados.
Quando a dor do outro não me afeta, não muda nada em mim e não me impele a amar
e a ser solidário, é preciso conversão. Num mundo de tantas cruzes e dores é
inconciliável uma fé alienante, vazia de empatia, proximidade, serviço; porque
se falta compaixão falta o que Cristo nos ensinou: amar e ser solidário com os
que sofrem. “As alegrias e
as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos
pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças,
as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (GS 1). Não é possível
ser discípulo de Cristo se alguma realidade não falar ao nosso coração clamando
por justiça e paz para o nosso povo.
Ser
missionário é escolher Cristo todo dia, é colocar-se diariamente num processo
de conversão, é olhar para si mesmo e compreender que não se está pronto, mas
num caminho de construção e aprendizado para ser cristão no mundo. Vivemos numa
realidade em que escolher a Cristo é ir radicalmente na contramão do mundo;
este, que é ceifador de vidas e oportunista, onde tudo é transitório; onde coisas
passageiras ocupam lugar do que é eterno; onde vemos pessoas que se dizem
cristãs seguindo caminhos que não estão de acordo com o proposto pelo evangelho.
Escolher Cristo é se rebelar contra a cultura de morte que escraviza e mata! Que
amparados pela Virgem Maria, mãe missionária, e impulsionados pelo Espírito
Santo, escolhamos a Cristo sem medo de servir, sem medo de recomeçar quantas
vezes forem necessárias, sem medo de errar e de testemunhar “tudo o que vimos e
ouvimos” (At 4,20); porque sendo a vida missão, onde há vida há razão ser
missionário.
João Pedro Silva Ribeiro
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